Treinamento de força em jovens: o que a ciência realmente estabelece

A National Strength and Conditioning Association (NSCA) publicou, em 2009, uma atualização abrangente de sua posição oficial sobre treinamento de força em crianças e adolescentes. O documento, assinado por um painel multidisciplinar (ciências do exercício, medicina do esporte e pediatria), revisa evidências sobre riscos, benefícios, prescrição e desenho de programas, além de orientações de segurança e periodização específicas para a população pediátrica. A seguir, apresento uma reportagem técnica, analítica e imparcial sobre os principais achados e recomendações.

Posições centrais da NSCA

A NSCA sustenta que programas de força bem planejados e supervisionados são: (1) relativamente seguros; (2) eficazes para aumentar força e potência; (3) capazes de melhorar o perfil cardiometabólico; (4) úteis para aprimorar habilidades motoras e potencialmente o desempenho esportivo; (5) protetores contra lesões esportivas; (6) benéficos ao bem-estar psicossocial; e (7) formadores de hábitos de exercício na infância e adolescência. Essas conclusões derivam de uma análise extensa de estudos prospectivos, metanálises e ensaios controlados.

Segurança: o risco não é maior do que em outros esportes quando há supervisão

As preocupações históricas com lesões originaram-se em bancos de dados de pronto-atendimento que não diferenciavam uso apropriado de uso indevido do equipamento. Ensaios supervisionados e adequadamente prescritos reportam baixa incidência de eventos clínicos e, quando ocorrem, costumam estar associados a técnica inadequada, progressões agressivas de carga, equipamento inadequado ou ausência de supervisão qualificada. Em levantamentos comparativos, a taxa de lesões em treinamento de força e em halterofilismo foi substancialmente menor do que em esportes coletivos como futebol, basquete e rúgbi.

O temido dano à cartilagem de crescimento (fise) não foi observado em estudos prospectivos com prescrição correta. Lesões apofisárias e epifisárias descritas em relatos antigos relacionavam-se a tentativas de máximos sem supervisão, técnica inadequada e más práticas. De forma consistente, não há evidência de prejuízo ao crescimento linear com treinamento de força realizado segundo diretrizes etárias.

Levantamentos olímpicos e pliometria em jovens

Movimentos derivados do halterofilismo (agachamento frontal, variações de arremesso/arranco) podem ser ensinados com progressões pedagógicas (de exercícios básicos a transferências de habilidade), desde que o tempo de ensino e a técnica recebam prioridade. Para pliometria, a recomendação é dosar intensidade, volume e frequência conforme a maturidade e capacidade, porque ganhos em potência, mecânica do movimento e redução de lesões são bem documentados quando o treinamento é planejado. Casos adversos, como rabdomiólise por excesso de saltos repetidos sem progressão, são excepcionais e ilustram o problema do excesso sem supervisão.

Eficácia: crianças e adolescentes ficam mais fortes além do crescimento maturacional

A evidência acumulada — incluindo metanálises — demonstra aumentos significativos de força acima do esperado pelo crescimento quando o estímulo é suficiente em intensidade, volume e duração. Em 8–20 semanas, ganhos relativos em torno de ≈30% são comuns, podendo chegar a valores superiores dependendo do protocolo; estudos com maior duração (vários meses ou anos escolares) também mostram eficácia. Em termos relativos, pré-adolescentes podem melhorar tanto quanto adolescentes; em termos absolutos, adolescentes tendem a ganhar mais do que crianças, e adultos mais do que adolescentes.

Mecanismos: neural > hipertrófico antes da puberdade

Antes da puberdade, com baixos níveis de testosterona, as melhorias de força refletem predominantemente adaptações neurais (recrutamento/coordenação de unidades motoras, possivelmente alterações intrínsecas no tecido contrátil), além de aprendizado motor e refinamento técnico. Na puberdade, aumenta a contribuição hipertrófica, especialmente em meninos, enquanto meninas tendem a responder com menor hipertrofia relativa e adaptações mediadas por outros eixos hormonais (GH/IGF-1).

Destreinamento e manutenção

Sem estímulo contínuo, os ganhos regridem em direção a valores de controles não treinados; a manutenção com 1 sessão/semana pode ser insuficiente em pré-adolescentes, embora 1–2 sessões/semana possam preservar boa parte dos ganhos em adolescentes, dependendo do contexto esportivo concomitante.

Benefícios para a saúde: ossos, metabolismo, composição corporal e psicossocial

  • Cardiometabólico e composição corporal. Em jovens com excesso de adiposidade, a força é alternativa mais tolerável do que exercícios aeróbios contínuos prolongados, por fornecer esforços intermitentes e curtos. Ensaios mostram redução de gordura corporal e melhora de sensibilidade à insulina após 12–16 semanas, algumas delas mantidas mesmo após ajuste por alterações de massa corporal magra e gorda (sugerindo adaptações qualitativas no músculo).

  • Pressão arterial e lipídios. Em normotensos, o efeito pressórico é modesto; em adolescentes hipertensos, treinos com cargas submáximas, altas repetições e técnica apropriada configuram opção não farmacológica promissora. Em alguns estudos, perfis lipídicos melhoram com circuitos de moderada intensidade e alto número de repetições.

  • Saúde óssea. Infância e adolescência são janelas osteogênicas privilegiadas. Intervenções com exercícios de sustentação de peso e moderada/alta intensidade (agachamento, supino, variações de weightlifting) e pliometria elevaram densidade e conteúdo mineral ósseo em múltiplas coortes pediátricas. Não há efeito deletério sobre o crescimento.

  • Psicossocial. São relatadas melhorias em humor, autoeficácia e atitudes em relação à atividade física, sobretudo em jovens que partem de níveis abaixo da média, quando o foco é autoaperfeiçoamento e competência técnica, não comparação social.

Desempenho motor e esportivo; prevenção de lesões

Melhorias em salto vertical, sprint, arremesso com medicine ball e outras habilidades aparecem com máquinas, pesos livres, exercícios com o próprio peso e pliometria; a combinação de força e pliometria frequentemente potencializa os efeitos (sinergia). Ensaios de prevenção apontam que programas de pré-temporada, que incluam força, pliometria, equilíbrio/controle e educação de técnica (p. ex., aterrissagens e mudanças de direção), reduzem incidência e severidade de lesões em adolescentes, especialmente em esportes com alto risco de joelho em meninas.

Testes, prescrição e desenho de programas

  • Testes máximos (1RM). Quando precedidos de familiarização, com aquecimento adequado, técnica estável e supervisão qualificada, testes de 1RM são seguros em crianças e adolescentes, e os picos de força a que jovens se expõem no esporte informal frequentemente excedem as cargas controladas do laboratório/academia.

  • Aquecimento e alongamento. O aquecimento deve priorizar movimentos dinâmicos (saltitos, deslocamentos, mobilidade ativa) por 5–10 min. O alongamento estático fica preferencialmente para o resfriamento, pois pode reduzir agudamente desempenho de força/potência quando realizado imediatamente antes.

  • Escolha e ordem dos exercícios. Iniciar por multiarticulares e grandes grupamentos quando o sistema neuromuscular está menos fatigado; priorizar técnica e controle em todas as fases (concêntrica e excêntrica). Exercícios específicos para região lombo-pélvica e equilíbrio de forças agonista–antagonista são mandatórios.

  • Intensidade, volume e progressão. Crianças iniciam com cargas leves, 1–2 séries de 10–15 repetições, evoluindo para múltiplas séries e 6–10 repetições nos multiarticulares conforme maturidade técnica. Para potência, 1–3 séries de 3–6 repetições com cargas leves-moderadas e execução explosiva porém controlada; pausas breves entre repetições podem ajudar a recompor a posição inicial e manter qualidade. Aumentos de carga em 5–10%, condicionados à técnica.

  • Intervalos e frequência. Como crianças recuperam-se relativamente rápido de esforços intermitentes, ~1 min pode ser suficiente em protocolos moderados; para exercícios de alta habilidade/potência, usar 2–3 min. Frequência de 2–3 dias/semana em dias não consecutivos (48–72 h entre sessões) é a base; frequências maiores exigem controle rigoroso de volume, intensidade, sono e nutrição.

  • Variação e periodização. Variações planejadas de volume, intensidade, escolha de exercícios e intervalos previnem estagnação e reduzem risco de sobreuso. Incluir semanas de descanso ativo entre temporadas e educação sobre nutrição, hidratação e sono.

Papel da supervisão qualificada e do ambiente

A supervisão direta por profissionais experientes em populações pediátricas, com certificação reconhecida e domínio de progressões técnicas, eleva a segurança, adesão e magnitude dos ganhos. Em contraposição, ambientes domésticos sem controle (equipamento inadequado, ausência de monitores) elevam o risco de acidentes, inclusive eventos potencialmente graves.

Conclusão

O consenso da NSCA é inequívoco: crianças e adolescentes podem e devem realizar treinamento de força, desde que a prescrição seja etário-específica, progressiva e supervisionada. Os benefícios se estendem da aptidão neuromuscular à saúde óssea e metabólica, passando por habilidades motoras, bem-estar e prevenção de lesões. As prioridades práticas são: ensino técnico minucioso, progressões graduais, variação planejada, respeito à individualidade biológica e contexto seguro.

Referência:
Faigenbaum AD, Kraemer WJ, Blimkie CJR, Jeffreys I, Micheli LJ, Nitka M, Rowland TW. Youth resistance training: Updated position statement paper from the National Strength and Conditioning Association. Journal of Strength and Conditioning Research. 2009;23(Suppl 5):S60–S79.

Autor : Bernardo N. Ide