Introdução
A intensidade do exercício é considerada
uma das variáveis mais importantes do treinamento físico, sendo frequentemente
apontada como determinante para as adaptações fisiológicas e de desempenho. Por
essa razão, é um dos temas mais estudados dentro da fisiologia e da ciência do
esporte, tanto no treinamento de endurance quanto no treinamento de
força e potência. Apesar disso, em pleno 2025, parece ainda não existir uma
definição clara, precisa e universalmente aceita para o termo. Essa falta de
consenso gera ambiguidades conceituais, dificulta a comparação entre estudos e
compromete a aplicação prática do conhecimento científico. Trata-se de uma
problemática da própria ciência do esporte, que há décadas utiliza o termo
“intensidade” sem chegar a um consenso claro e uniforme sobre o seu real
significado. Em vez de ser uma variável precisa, o termo acabou virando um
guarda-chuva conceitual, usado de maneira ambígua e, muitas vezes,
contraditória.
Intensidade: carga ou esforço?
Na literatura científica, encontramos a
palavra “intensidade” referindo-se a contextos completamente distintos. Em
alguns casos, ela é usada para descrever grandezas físicas, como a velocidade,
a potência, a carga mobilizada em um exercício ou mesmo a força isométrica
máxima. Em outros, o termo aparece associado a respostas fisiológicas, como a
frequência cardíaca, o consumo de oxigênio ou as concentrações de lactato
sanguíneo. E, não raramente, “intensidade” também se refere a indicadores de
estresse psicofisiológico, como a percepção subjetiva de esforço (PSE). Muitos
trabalhos em treinamento de força definiram intensidade como a percentagem de
uma repetição máxima (%1RM) ou zonas de repetições máximas 1 baseadas no peso que um indivíduo consegue levantar para um
determinado número de movimentos. Entretanto, Fisher e Smith 2, colocaram que essa forma pode ser é incorreta, pois o %1RM
representa apenas carga, e não necessariamente o esforço ou a intensidade real
do exercício. Dois indivíduos podem executar o um exercício com o mesmo %1RM
com números muito diferentes de repetições, devido a fatores como tipo de fibra
muscular, técnica ou duração da repetição.
Esse problema se estende também ao
treinamento de endurance, onde a intensidade é frequentemente equiparada à
frequência cardíaca, consumo de oxigênio ou potência 3. Contudo, variáveis fisiológicas como a frequência cardíaca podem
se alterar em situações de estresse psicológico, sem relação direta com o
esforço físico 4.
Tentativas recentes de padronização
Os termos e definições no exercício devem
respeitar o Système International d’Unités (SI) 5. Assim, em vez de “intensidade” como um rótulo genérico, deveríamos
discutir em termos de grandezas físicas mensuráveis como a força (N), potência
(W), trabalho (J), velocidade (m·s⁻¹), entre outras. Essa
abordagem evitaria ambiguidades e permitiria comparações universais.
Um esforço recente de padronização
conduzido pelo American College of Sports Medicine (ACSM) e pela Exercise and
Sport Science Australia (ESSA) 6 propôs cinco categorias de intensidade: Muito Baixa, Baixa,
Moderada, Alta e Muito Alta, associadas a descritores subjetivos como “muito
fácil”, “fácil”, “moderado”, “difícil” e “muito difícil”. A proposta tenta
unificar o vocabulário entre exercício de endurance e de força, evitando termos
como “leve” ou “pesado”, que remetem apenas a carga. No entanto, mesmo esse
consenso reconhece limitações: ainda não existem marcadores fisiológicos
universais para separar categorias de intensidade, e métodos amplamente
utilizados, como %VO₂máx ou %1RM, geram respostas fisiológicas heterogêneas
entre indivíduos.
O dilema: abandonar o termo?
Frente a tantas contradições, a literatura chegou
a sugerir que talvez a solução mais clara fosse simplesmente abandonar o termo
intensidade 4. Em seu lugar, deveríamos especificar diretamente a variável em
análise, como por exemplo, a “força aplicada”, a “velocidade de corrida”, a “potência
média” ou a “frequência cardíaca”. Isso reduziria a confusão entre
pesquisadores, profissionais e praticantes, permitindo uma comunicação
científica mais transparente.
O debate sobre intensidade do exercício
revela um problema maior: a ciência do esporte muitas vezes recorre a apelidos
para variáveis já bem definidas pela física ou pela fisiologia. Chamar
frequência cardíaca, potência ou percepção de esforço de “intensidade” apenas
adiciona ruído conceitual. Assim, mais do que buscar uma nova definição
consensual, talvez seja hora de aceitar que “intensidade” é um termo
dispensável. Quando descrevemos com precisão a variável, seja carga, potência,
velocidade, consumo de oxigênio ou percepção subjetiva de esforço, a ciência
avança com mais clareza e rigor.
Referências
1 Fry,
A. C. The role of resistance exercise intensity on muscle fibre adaptations. Sports Med 34, 663–679, doi:10.2165/00007256-200434100-00004 (2004).
2 Fisher, J. & Smith, D.
Attempting to better define "intensity" for muscular performance: is
it all wasted effort? Eur J Appl Physiol
112, 4183–4185; author reply
4187–4188, doi:10.1007/s00421-012-2463-0 (2012).
3 Sanders, D., Myers, T. &
Akubat, I. Training-Intensity Distribution in Road Cyclists: Objective Versus
Subjective Measures. Int J Sports Physiol
Perform 12, 1232–1237,
doi:10.1123/ijspp.2016-0523 (2017).
4 Steele, J. Intensity; in-ten-si-ty;
noun. 1. Often used ambiguously within resistance training. 2. Is it time to
drop the term altogether? Br J Sports Med
48, 1586–1588,
doi:10.1136/bjsports-2012-092127 (2014).
5 Winter, E. M. & Fowler, N.
Exercise defined and quantified according to the Systeme International
d'Unites. J Sports Sci 27, 447–460,
doi:10.1080/02640410802658461 (2009).
6 Bishop, D. J. et al. TEMPORARY REMOVAL: Physical activity and exercise intensity
terminology: a joint American College of Sports Medicine (ACSM) expert
statement and exercise and sport science Australia (ESSA) consensus statement. Journal of Science and Medicine in Sport, doi:https://doi.org/10.1016/j.jsams.2024.11.004 (2024).